O que foi apresentado no ESHRE 2022

26 jul, 2022

No último mês de julho aconteceu o 38º Encontro Anual da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (European Society of Human Reproduction and Embryology – ESHRE), o primeiro em versão presencial desde 2019. Pra quem não sabe, o encontro anual da ESHRE nada mais é que o maior congresso anual de Reprodução Humana e Embriologia do mundo. É um evento que conta com mais de 10 mil profissionais inscritos e que possui como base do conteúdo programático a apresentação de resultados dos mais novos estudos científicos sendo desenvolvidos. São quase 100 sessões e mais de 15 cursos pré-congressos oferecidos, além de uma área de exibição onde mais de 400 empresas do ramo se reúnem para mostrar as novidades, dentre elas insumos, medicamentos, materiais e equipamentos. É um evento que deve estar no radar de todos os que estão interessados em se atualizar cientificamente, incrementar o networking e descobrir o que de mais novo está disponível mundo afora.

Caso você não tenha tido a oportunidade de participar do evento este ano, tenho uma excelente notícia pra te dar: além de todas as aulas e trabalhos apresentados estarem com resumo disponível no site do evento, eu fiz uma seleção do que achei ser mais impactante em nossa atuação dentro dos laboratórios.

 

TIME LAPSE E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL:

Não é segredo para ninguém que o uso de incubadoras time-lapse vem crescendo mundo afora. Foram diversos os estudos apresentados que avaliaram as vantagens do acompanhamento de cada etapa do desenvolvimento embrionário sem que houvesse perturbação do cultivo, a capacidade de seu software em escolher o melhor embrião para ser transferido e, ainda mais inovador, seu potencial em analisar e determinar a ploidia embrionária. Esse ano, mais estudos robustos vieram corroborar o raciocínio de que as incubadoras time-lapse não aumentam por si só o número cumulativo de gestações. Surpreendente talvez seja que não há diferença significativa em taxa de gestação por ciclo, nem mesmo quando o grupo controle é um cultivo com interrupções (O-003; O-226*)! Mas, no que diz respeito as seleções dos melhores embriões para serem transferidos, diversos outros estudos trouxeram resultados animadores. Os estudos com softwares para seleção embrionária vêm mostrando que os modelos de inteligência artificial predizem com acurácia o desfecho do tratamento ao analisar a qualidade de cada embrião, incluindo taxas de nascidos vivos e até mesmo de ploidia (O-122*). Considerando exclusivamente esses algoritmos para determinação de ploidia embrionária¸ trabalhos indicaram taxas diferentes de precisão entre os softwares, entre valores que variaram de 65-90% (O-007, O-073 e O-176*). Um deles sugeriu a integração de cinco diferentes características – entre elas, desenvolvimento anormal e contração da blastocele – para predição da aneuploidia e o resultado obtido indica uma precisão superior à 82% para cada característica (O-073*).

Apesar de ainda termos alguns importantes obstáculos para superar – como a uniformização das análises (O-120*) – ao que tudo indica a era das análises genéticas invasivas pode estar próxima ao fim!

 

CULTIVO EMBRIONÁRIO

A forma como os cultivos são realizados é sempre questionada. Cultivo em grupo ou individualizado? O meio de cultivo ideal deveria ter menos lactado? Devemos incluir L-prolina? Adicionar vitaminas ao meio melhora a taxa de blastulação? Mundo afora, tudo isso vem sendo testado continuamente e ainda temos muita coisa pra avaliar.

Vários estudos analisando o tipo do cultivo embrionário foram apresentados. Houve os que mostraram que tratar embriões descongelados em meio rico em prolactina aumenta a migração dos trofoblastos e podem levar a um aumento nas taxas de implantação (O-036*). Outros indicaram que a proporção de blastocistos expandidos e em hatching é maior no quinto dia de cultivo quando meios com menor concentração de lactato são utilizados (O-066*). Avaliou-se também se a incubação dos espermatozoides em meio com adição de vitamina B12 após o descongelamento melhoria os parâmetros de qualidade seminal. E sim! Os resultados indicam que os espermatozoides incubados em meio com vitamina B12 possuíam melhores taxas de motilidade e de vitalidade e menor fragmentação de DNA, provavelmente devido a propriedade antioxidante da vitamina B12 (O-261*). Meio de congelamento com alterações também foi testado e a adição de L-prolina ao meio de criopreservação de espermatozoides apresentou melhora nos parâmetros seminais e na integridade do DNA após o descongelamento (O-185*).

Mas, apesar de tentador, não saiam mudando o meio de cultivo de vocês! As alterações nos meios de cultivo devem ser realizadas de maneira programada e cuidadosa e muitos dos estudos aqui apresentados ainda estão em estágios iniciais. Muita pesquisa precisa ainda ser feita e, se forem realizar estudos em suas clínicas, só com aprovação do comitê de ética, hein?

 

ART E SAÚDE GESTACIONAL:

            É muito comum ouvirmos por aí que os tratamentos de reprodução assistida aumentam as chances de doenças hipertensivas na gestação. Há recomendações inclusive de importantes sociedades de que todas que engravidarem por técnica de reprodução assistida devam ser consideradas pacientes de risco aumentado em desenvolver pré-eclâmpsia. Mas será que é isso mesmo?

Trabalhos robustos apresentados indicam que realmente há aumento de risco hipertensivo em mulheres submetidas à FIV, mas apenas em um subgrupo específico: mulheres grávidas após transferência de embriões descongelados (P-764 e O-273*). Mais do que isso, estudos compararam os tipos de ciclo de transferência de embrião descongelado e constataram que ciclos naturais para transferência de embriões descongelados apresentam melhores desfechos gestacionais, com menos complicações obstétricas e neonatais, que ciclos artificiais de transferência de embriões descongelados (P-381, P-776 e P-784*).

Levando em conta o aumento considerável do número de ciclos de transferência de embriões congelados, é preciso atenção os novos achados, principalmente em casos de pacientes que já seriam, por si só, incluídas no grupo de alto risco de desenvolvimento de pré-eclâmpsia.

 

ART E SAÚDE DAS MULHERES E CRIANÇAS:

As técnicas de reprodução assistida são relativamente recentes e não há mais que duas gerações de pessoas que nasceram após seus pais se submeterem a algum tipo de tratamento. Então, não surpreende que ainda haja muitas perguntas sobre a segurança do uso dessas técnicas, principalmente a médio e longo prazo.

Vários estudos vêm avaliando isso tudo e, felizmente, os achados são animadores! Não há evidencias de que uso de qualquer tipo de medicamento utilizado por mulheres nos tratamentos de reprodução assistida esteja associado a um aumento da incidência de tumores no Sistema Nervoso Central (O-083*) e o risco de desenvolvimento de câncer de mama em mulheres que foram submetidas a estimulação ovariana para conseguir engravidar é similar ao de mulheres que engravidaram espontaneamente (O-084*).

Levando em conta o desenvolvimento das crianças nascidas por FIV, tanto a estatura e o peso como os resultados nas escolas e o neurodesenvolvimento, apresentaram resultados semelhantes aos de crianças que foram concebidas naturalmente (O-085, O-086, O-270 e P-764*). Na idade um pouco mais avançada, não se detectou maior incidência de asma, de alterações pulmonares ou alergias em adolescentes que nasceram após os pais passarem por tratamentos para engravidar (O-087*).

Ou seja, como esperávamos e gostaríamos, os estudos vêm mostrando que as técnicas de reprodução são seguras tanto para os bebês quanto para as mães, tanto a curto como a longo prazo!

COVID-19:

Que o SARS-COV-2 seria tema recorrente no congresso não surpreendeu ninguém. Desde a ocorrência do Zika, onde um vírus aparentemente inofensivo demonstrou potencial para causar alterações fetais importantes, a comunidade científica sempre está atenta aos novos vírus e seus potenciais impactos na reprodução humana. Felizmente, os indícios são de que a infecção pelo vírus da Covid-19 não ocasiona alterações morfológicas no feto, mas diversos trabalhos vêm mostrando que a infecção por Sars-CoV-2 pode prejudicar a fertilidade masculina. Estudos indicaram que pacientes que tiveram Covid-19 apresentaram alterações eréteis, prejuízos na espermatogênese e diminuição na quantidade de espermatozoides. Mais que isso, aparentemente as alterações também englobam os parâmetros hormonais, incluindo diminuição na produção de testosterona e aumento de LH (O-253, P-051 e P-073*). Felizmente, três meses após a recuperação do paciente os parâmetros parecem retornar ao habitual (P-091*).

Do ponto de vista das vacinas contra Covid-19, os resultados são os melhores possíveis! Diversos estudos foram realizados para avaliar se as vacinas causam algum prejuízo para a saúde reprodutiva das mulheres que estão sendo submetidas aos tratamentos de reprodução assistida. E não! Mulheres vacinadas não tiveram taxas de implantação ou de gravidez menores que mulheres não vacinadas (O-138, O-142 e O-288*), independente de qual vacina foi utilizada e da quantidade de doses. Estudos com homens também foram realizados, e os resultados são semelhantes: as vacinas não possuem um efeito adverso na produção seminal (P-092*).

Parece óbvio, mas não custa pontuar: vacinem-se e recomendem que seus pacientes se vacinem também!

Parece muito, mas ainda tem muito mais! Houve estudos avaliando o potencial da avaliação da microbiota endometrial como marcador da qualidade do endométrio para implantação embrionária (O-256*), se as taxas cumulativas de gestação são realmente maiores quando o congelamento de embriões ocorre em D5 em comparação ao D3 (O-291*), se o preparo seminal por gradiente traz vantagens à inseminação intrauterina quando comparado ao preparo simples por lavado (O-299*), se blastocistos formados a partir de oócitos com 0PN possuem chance aumentada de serem aneuplóides em comparação aos blastocistos que vieram de 2PN (O-077*), descrição de método diferencial de centrifugação para separação de espermatozoides obtidos por TESE dos sedimentos celulares (O-209*), entre tantos outros trabalhos.

Gostou dos assuntos abordados? Quer entender mais sobre tudo isso que eu trouxe aqui? Tem mais de 600 páginas de conteúdo no Abstract Book do evento que está disponível para acesso. E, já anota na agenda: ESHRE 2023 será entre os dias 25 e 28 de junho de 2023 em Copenhague, na Dinamarca.

 

Autora: Maíra Casalechi

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