Quando apostar no azarão? A saga dos embriões lentos e feios

26 set, 2022

Quem nunca mostrou um embrião pro colega embriologista e fez aquela famosa pergunta: “O que que você acha? Vale a pena?”. Pois então, aqui tento elaborar um pouco sobre a resposta. Veja bem, eu disse “elaborar um pouco”, não te dar um guia prático! Afinal, sabemos que essa é uma decisão que depende de muitos fatores. Ressalto também que, para fins desse texto, não vou englobar o fator financeiro – cuja importância é clara e conhecida, e deve também ser pesada na decisão final. Mas aqui, vamos focar em outros tópicos.

 

Em linhas grosseiras, costumamos dizer que “se essa for a única opção da paciente, congela/transfere”. Mas ao ver um embrião com 4 células ou muita fragmentação em D3, uma mórula em D5, ou um blastocisto 3CC em D6, não é possível afirmar uma conduta padrão, pois alguns fatores devem ser levados em consideração:

  • Qual a idade da paciente?
  • Como estava a qualidade dos oócitos?
  • Tinha fator masculino?
  • Essa paciente já fez outros ciclos? Se sim, como foram?
  • Se for congelamento, essa paciente (ou esse casal) já tem outros embriões congelados?
  • Se for transferência, é a primeira? Se não, como foram as anteriores?
  • Como está o psicológico da paciente/ casal?

 

Vamos tentar pensar sobre alguns dos tópicos expostos, considerando-os hipoteticamente (porque sabemos que, na realidade, todos acabam interligados), como fatores isolados:

 

  • Fator masculino: às vezes a gente esquece, mas quem sustenta as primeiras divisões celulares é o ó É na transição do estágio de clivagem para o de compactação que o genoma do embrião começa a ser, de fato, ativado (ou seja, o embrião já consegue “se sustentar”, e não depende mais do óvulo). Assim, talvez não seja interessante “apostar” em embriões de D3 (caso essa seja uma prática realizada na sua clínica) em casos de fator masculino grave. Ainda que estejam apresentando um desenvolvimento lento (principalmente nesses casos!), é interessante observar se esses embriões conseguem alcançar o estágio de blastocisto, porque assim saberemos que realmente houve a participação do espermatozoide na fertilização.

 

  • Ciclos anteriores: a conduta realizada em ciclos anteriores gerou resultado positivo? Se sim, pode ser interessante repetir. Se não (e acredito que essa opção seja a maioria dos casos que retornam para uma segunda tentativa), o que pode ser feito de forma diferente? Foram transferidos embriões em estágio de clivagem? Vamos levar pra blasto! (E vice-versa – por que não? Talvez a paciente com idade avançada não esteja preparada para não ter blastocistos no quinto dia, então, por que não transferir em D3?). A capacitação espermática pode ser otimizada? A estimulação ovariana pode ser feita de outra forma, de maneira a gerar uma coorte oocitária de melhor qualidade? (Note que maior quantidade nem sempre é o que queremos!). Aqui entra a famosa individualização da conduta.

 

  • Acúmulo de embriões: vamos colocar na balança aquele embrião 4BC D7. Para uma paciente ou casal que já possui embriões iguais ou de melhor qualidade criopreservados, talvez a balança pese para o lado de não congelar esse embrião. Todavia, se nenhum embrião houver sido criopreservado anteriormente e essa for a única esperança… por que não apostar?

 

  • Psicológico (e informação!): o fator determinante. É lógico que todas os pacientes que se submetem a um tratamento de FIV querem um bebê em casa. Mas infelizmente, ainda não conseguimos realizar o sonho de todas as famílias que nos procuram. Assim, é claro que a experiência do embriologista vai contar e pesar muito, mas também precisamos entender e alinhar as expectativas dos pacientes: “olha, temos esse embrião que apresenta chances de implantação muito baixas, perto de nulas. O quão dispostos vocês estão a apostar neles?” “Levando em consideração seu caso, seu histórico, seu fator de infertilidade e nossa experiência, o cenário que podemos esperar é esse. Os resultados costumam ser esses. Vocês estão dispostos a passar por isso?” “Existem relatos pontuais de tal e tal resultado pra essa situação, essas são suas chances de acordo com a literatura, e/mas aqui no nosso serviço já tivemos esse cenário/ nunca passamos por isso. Você quer arriscar?” A comunicação, a empatia e a informação são essenciais. Muito provavelmente, a maioria dos pacientes vão querer agarrar aquela chance ínfima, mas existem aqueles que preferem não arriscar a frustração das expectativas, e por isso é importante sermos sinceros. Talvez aqui seja o momento mais crucial do tratamento, em que eles vão decidir o caminho da jornada de FIV deles – e se você estará ao lado deles nessa jornada (dure ela quantas tentativas durar) ou não.

 

É muito difícil dizer que um embrião feio ou lento não vai implantar, não vai gerar uma gravidez, e não vai trazer um bebê pro colo desses pais e mães. Acredito que seja algo que não possamos afirmar, até porque sabemos que existem relatos, ainda que raros, desses acontecimentos. O que está sob nosso poder é munir os pacientes com informações e estar à disposição para sanar quaisquer eventuais dúvidas, para que eles possam tomar sua decisão da melhor forma possível.

 

Ana Clara Esteves

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