Como manter um pH estável nos meios de cultura de embriões humanos e por que isso é crucial para o desenvolvimento embrionário?

01 jul, 2024

Manter um pH estável em um nível ideal nos meios de cultura de embriões humanos é crucial para o desenvolvimento embrionário, mas representa um desafio para todos os laboratórios de fertilização in vitro. Faz-se necessário um controle rigoroso e validado para medição de pH dos meios de cultura de embriões. Ultimamente tem-se usado na maioria dos laboratórios de FIV um analisador de gases sanguíneos (BGA) para medição do pH no meio de cultivo (pH externo) dos embriões. Vários trabalhos já atestam que esses analisadores podem ser usados para aferição de pH em meios de cultura, pois, esse tipo de medição está fora do escopo pretendido pelos BGA.

A cultura in vitro de embriões humanos depende em grande parte das condições atmosféricas dentro das incubadoras do laboratório. O pH dos meios de cultura, é um reflexo indireto do conteúdo de CO2 dentro destas incubadoras, e esse é um parâmetro crítico. A aferição de pH permite o monitoramento rigoroso deste parâmetro para a otimização das condições de cultivo necessárias para melhorar os resultados da fertilização in vitro. Em um cultivo normal de embriões de fertilização in vitro, o CO2 da incubadora se dissolve no meio para formar ácido carbônico. O pH extracelular, num meio de cultura é o resultado de um equilíbrio entre a concentração de CO2 na incubadora e a concentração de bicarbonato no meio de cultura (determinada pelo fornecedor do meio). Portanto, essas duas configurações contribuem muito para a regulação do pH do meio de cultivo. Mas quais são as outras condições físico-químicas específicas do processo de fertilização in vitro que também podem afetar o pH externo, e, como influenciam o pH intracelular? Como a composição do meio de cultura utilizado na FIV tem impacto na regulação do pH intracelular? Estas são as perguntas que precisamos responder para compreender a importância do manejo do pH extracelular e para determinar o pH ideal em cada laboratório e incubadoras.

A manutenção do pH intracelular é uma das funções vitais da homeostase celular. Por exemplo, foi demonstrado em vários tipos de células somáticas que a permeabilidade da membrana iônica em íons Na + , K + ou Cl – , bem como a condutância da membrana, são modificadas de acordo com os valores de pH intracelular. A atividade do canal iônico pode variar de acordo com os valores de pH intracelular. Além disso, os íons H + ligam-se às membranas, atraem os ânions e assim modificam a condutância. A cadeia redox mitocondrial requer um gradiente de prótons através da membrana mitocondrial, portanto sua função está parcialmente relacionada ao pH intracelular. O mesmo se aplica às enzimas lisossomais. No nível nuclear, mesmo pequenas mudanças no pH intracelular (0,1 unidades de pH) podem alterar a síntese de DNA.

Assim como nas células somáticas uma pequena mudança no pH externo pode acarretar sérios problemas no oócitos, como a estabilidade do fuso meiótico, o que pode causar aneuploidias oocitárias. Em embriões em estágio iniciais uma mudança no pH externo pode interferir no citoesqueleto, a alcalinização e a acidificação do pH alteram a rede de actina (microfilamentos). Esses distúrbios do citoesqueleto resultam em uma interrupção da distribuição mitocondrial no citoplasma. Nos blastocistos, os sistemas de regulação do pH (em particular a função de troca iônica) são importantes para o desenvolvimento dos mesmos. Por exemplo, a atividade do trocador Na + /H + contribui para o fluxo transtrofectodérmico de Na + que é necessário para a expansão da blastocele. A formação da blastocele é impulsionada por um gradiente osmótico com acúmulo de Na + na cavidade.

Um bom conhecimento dos mecanismos de homeostase iônica das células é essencial para desenvolver sistemas de cultura celular que minimizem o estresse e melhorem a viabilidade embrionária. Nos oócitos e embriões para os quais o controle do pH é mais crítico, os mecanismos reguladores do pH são mais fracos, como o oócito desnudado e os estágios iniciais de desenvolvimento. O blastocisto é mais competente na regulação do seu pH intracelular devido à menor permeabilidade aos íons H +. É crucial a importância da homeostase do pH intracelular para o metabolismo celular e a viabilidade embrionária. O pH correto e estável é essencial para a saúde e o desenvolvimento do embrião, é imprescindível monitorar os valores de pH dos meios de cultura de fertilização in vitro.

É claro que a questão das condições ideais de cultura de embriões é mais ampla do que apenas a questão do pH: a composição do meio de cultura (em particular aminoácidos, amônio, carboidratos), a temperatura (com a necessidade de manter 37 ° C), o efeito da concentração reduzida de oxigênio na incubadora, grupo ou cultura única, a osmolaridade e volume do meio, desempenho da incubadora e a qualidade do óleo deve ser levada em consideração, mas o pH continua sendo uma importantíssima, se não, a principal ferramenta de controle de qualidade nos laboratórios de FIV.

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Gustavo Cardoso Borges
EMBRIOLOGISTA

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