Como a reprodução assistida auxilia na formação de diversas formas de família?

01 dez, 2020

pro nucleo

Por Letícia Arruda

A última década tem sido marcada por importantes avanços para a comunidade LGBTQIA+, promovendo mudanças de valores na nossa sociedade, além de conquistas de direito jurídico e direito ao acesso à saúde. A reprodução humana tem sido uma importante ferramenta, auxiliando essas pessoas a formarem suas famílias.

Um paciente que busca uma clínica de reprodução tem direito a um atendimento sem preconceitos, realizado por profissionais qualificados, capazes de oferecer uma conduta individualizada para cada situação levando em conta o desejo dos pacientes além da indicação médica. Desta forma, é essencial que a equipe seja capacitada e familiarizada com os termos referentes à gênero e orientação sexual, para que juntos, médico e pacientes possam, decidir pelo melhor tratamento.

Normalmente este tema é abordado dentro da Reprodução Assistida (RA) de duas perspectivas principais: dos casais homoafetivos femininos e masculinos, ambos cisgênero, ou seja, que se identificam com o mesmo sexo que nasceram. Entretanto, as técnicas de RA podem auxiliar também pessoas transgêneros, transexuais ou que não se identificam com o sistema binário de classificação.

 

Tratamentos de reprodução assistida disponíveis

  1. Casal homoafetivo de mulheres cis

 

Para os casais homoafetivos, é importante  lembrar que não é possível gerar uma criança somente com material genético de duas pessoas do mesmo sexo. Desta forma, o casal necessitará de uma amostra de doador de sêmen, independente da técnica que será utilizada: Inseminação intra-uterina (IIU) ou fertilização in vitro (FIV).

O procedimento de IIU consiste no preparo de uma das mulheres do casal através do uso de algumas medicações e acompanhamento do crescimentos dos folículos (estrutura onde os óvulos estão inseridos) para saber o momento aproximado da ovulação. Neste momento, o sêmen é depositado no útero da paciente com o auxílio de uma cânula.  Portanto, nesta técnica a fertilização ocorre de forma natural no interior do corpo materno, sendo que obrigatoriamente a mesma paciente que será a mãe biológica também gestará o bebê.

Por outro lado, na fertilização in vitro os óvulos são coletados da paciente e a fertilização ocorre em laboratório, proporcionando que sejam utilizados os óvulos  de uma das pacientes a parceira geste. Inicialmente a paciente que irá coletar os óvulos passa pela etapa chamada estimulação ovariana, que consiste em fazer uso de medicamentos que irão estimular o crescimento de diversos folículos e óvulos em seu ovário. Os óvulos são então captados através de uma agulha e enviados ao laboratório para serem fertilizados com o sêmen escolhido. Os embriões crescem até o terceiro ou quinto dia de desenvolvimento no laboratório e depois são transferidos para o útero da paciente que deseja passar pela gestação. Diversas alternativas poderiam ser optadas, como ambas coletarem os seus óvulos, para propiciar que ambas tenham filhos com o seu material genético, uma coletar os óvulos e a parceira gestar, ou até mesmo ambas gestarem.

Tanto a escolha do tratamento (FIV oi IIU) bem como quem do casal fará cada etapa deverá ser discutida em conjunto com a equipe médica, pois diversos aspectos devem ser avaliados, como fator de infertilidade, saúde, número de folículos, idade e desejo das pacientes. A idade feminina é o fator que mais afeta a qualidade dos óvulos e ,portanto, deve ser levada em conta na hora de decidir quem do casal irá coletar os óvulos.

A escolha da amostra sêmen de doador deve ser feita através de um banco de sêmen, podendo ser nacional  ou internacional. A escolha é feita através de um extenso perfil elaborado pelos bancos contendo as características do doador, como cor dos olhos, cabelo até gostos pessoais.  Todos os doadores passam previamente por diversos exames de triagem para doenças para garantir que não haja risco de contaminação pela amostra. O CFM (Conselho Federal de Medicina) preconiza que os bancos façam um controle populacional dos filhos de cada doador, diminuindo as chances de consanguinidade futura.

 

  1. Casal homoafetivo de homens cis

 

Para os casais homoafetivos masculinos o processo para a paternidade através da RA é um pouco mais complexo. Isso porque além dos óvulos, o casal precisará de um útero solidário para que a gestação ocorra. Portando,  somente a fertilização in vitro seria indicada para esses casais.

Para a utilização dos óvulos, é necessário que uma paciente doe seus óvulos de forma  anônima e voluntária, que tenha até 35 anos. Normalmente as clínicas têm programas de doação compartilhada, onde pacientes jovens com outro fator de infertilidade que não ovariano, doam metade dos seus óvulos para custear o seu tratamento. Essa paciente passa pelo mesmo processo descrito acima, sendo que o sêmen utilizado na fertilização será de um ou de ambos parceiros. Após os embriões se desenvolverem no laboratório, eles precisam ser transferidos para o útero que foi previamente preparado para recebê-los. Essa mulher que irá gestar para o casal (procedimento chamado de útero solidário e erroneamente de “barriga de aluguel”) deve ter até o quarto grau de parentesco com o casal e ter no máximo 50 anos (segundo o CFM). É importante enfatizar que a doadora dos óvulos não pode ser a mulher que irá ceder útero, uma vez que a doadora deve ser anônima e a que irá gestar é parente do casal.

 

  1. Casais onde um ou ambos são transgêneros ou transsexuais

 

Como existem muitas possibilidades de tratamento e conduta dependendo das particularidades de cada casal que não se identifica como cisgênero, faremos um apanhado amplo com exemplos capazes de elucidar algumas possibilidades onde as técnicas de reprodução poderiam ser importantes para a formação  destas famílias. É preciso discutir essas opções de tratamento e dar visibilidade a outras formas de família, para que cada vez mais as pessoas tenham acesso e possam atingir o sonho da maternidade e/ou paternidade, sem julgamentos da sociedade.

A escolha da técnica e o tratamento deverão ser avaliadas individualmente, levando em consideração as possibilidades biológicas e o desejo dos envolvidos, de forma a respeitar ao máximo a vivência de cada um. Isso porque podem existir diversas possibilidades no que se refere à origem dos gametas (óvulos ou espermatozoides) dependendo se o (os) parceiro (os) trans já realizaram ou não a reversão, se está disposto ou não a submeter seu corpo à determinado procedimento, se deseja ou não parar o seu tratamento hormonal caso seja necessário,  se tem ou não o desejo de gestar (nos casos de homens com útero), dentre tantas outras.

Embora ainda pouco oferecida, a preservação da fertilidade é uma técnica que poderia ajudar pacientes que desejam ter filhos, pois antes de realizarem a reversão cirúrgica eles poderiam congelar sêmen ou óvulo para utilizar mais tarde quando desejassem. Os pacientes que fazem tratamento hormonal para mudança de sexo e não realizaram a reversão cirúrgica, podem coletar e utilizar seus próprios gametas para as técnicas de reprodução assistida, como a fertilização in vitro. Em alguns casos será necessário interromper o tratamento hormonal por um período (caso faça uso), para que a gônada retome a produção hormonal normal capaz de produzir os gametas. Por exemplo, pacientes homens trans que não realizaram a retirada do útero e ovários, podem coletar os seus próprios óvulos e gestar, caso esse fosse seu desejo. Da mesma forma, mulheres trans poderiam utilizar o seu sêmen para fertilizar óvulos da parceira (o).