Cuidados no transporte de material biológico

10 maio, 2023

Por Thais Serzedello de Paula
Cientista
Andrologista Sênior @criobrasil
Mestre em Reprodução Humana

 

O transporte de gametas e embriões é um procedimento muito comum realizado pelos Centros de Reprodução Humana Assistida (CRHA), essa prática ocorre, muitas vezes, devido a abertura de novos centros, pela decisão do paciente em trocar o local de tratamento/armazenamento do seu material biológico ou devido a aquisição de materiais de bancos de sêmen e de óvulos.

Não muito tempo atras, essa questão era tratada de forma simples e leviana, mas graças aos esforços da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), esse procedimento se tornou algo burocrático e delicado que vem exigindo cada dia mais atenção e regulamentação. A princípio pode parecer um transtorno, mas se formos analisar com cuidado essa burocratização do transporte foi algo de extrema importância para assegurar a qualidade, a eficácia e principalmente a rastreabilidade do material transportado.

Segundo o  Art. 9º   da RDC Nº 771, de 26 de dezembro de 2022 da ANVISA ela define que “São atribuições do CRHA, os procedimentos relacionados ao preparo de células germinativas, tecidos germinativos e embriões humanos para uso terapêutico, incluindo seleção, coleta, identificação, registros para fins de rastreabilidade, recepção, processamento, armazenamento, transporte, descarte, liberação de amostras, notificação e monitoramento de eventos adversos e garantia da segurança do paciente que submete ao procedimento.”  Logo, pela nova RDC os CRHA são responsáveis pela recepção desses gametas e embriões, bem como os obriga a definir critérios rigorosos para a aceitação ou rejeição de gametas ou embriões trazidos de outra clinica ou de um banco de gametas.

Sendo assim somos obrigados a pensar em alguns tópicos importantes referente ao transporte de material entre clínicas ou recebidos de bancos de gametas, seriam eles:

  • Rastreabilidade: o centro fornecedor do material é obrigado a enviar juntamente com a amostra informações de identificação para rastreabilidade do gameta ou do embrião, quais seriam essas documentações:

No caso de sêmen:  testes sorológicos, análise seminal, dia da coleta do sêmen, identificação da amostra, qualidade seminal após o descongelamento e se o material for proveniente de banco de sêmen de doador, deve ser informado as características físicas dos doadores e os resultados dos testes adicionais exigidos pela ANVISA.

No caso de óvulos: testes sorológicos, dados do estímulo ovariano, dia coleta e vitrificação dos óvulos, identificação da amostra, qualidade oocitária, protocolo de vitrificação utilizado, número de óvulos congelados por palheta e se o material for proveniente de banco de óvulos deve ser informado as características físicas da doadora e os resultados dos testes adicionais exigidos pela ANVISA.

No caso de embriões: testes sorológicos do casal, dados do ciclo que gerou os embriões, dia da vitrificação, identificação da amostra, qualidade embrionária, protocolo de vitrificação utilizado, número de embriões congelados por palheta e se foi realizado biopsia embrionária, o laudo da análise deve ser encaminhado.

 

  • Documentação: todo e qualquer material transportado deve conter um termo de transporte onde deve estar especificado de forma clara: o remetente, o destinatário, o proprietário do material, o tipo de material transportado, a quantidade, o tipo de embalagem onde o material está alocado, o responsável pelo armazenamento no remetente, o responsável pelo transporte e o responsável pelo recebimento bem como conter um telefone de contato em caso de emergência. Todas essas informações devem ser datadas e assinadas por todos os envolvidos no envio, transporte e recebimento, essa documentação deve ser guardada juntamente com o prontuário da paciente. Segundo a RDC 171/22, todos os registros referentes ao transporte devem ser mantidos durante todo o período de armazenamento do material no CRHA e por um período mínimo de 5 anos após a sua utilização ou descarte.

 

  • Envase: as amostras criopreservadas devem ser armazenadas em tanques específicos que assegurem a temperatura correta durante todo o transporte, o CRHA deve avaliar se o tipo de embalagem utilizada está de acordo com o material transportado, se o mesmo estava embalado de forma correta e segura, garantindo que não houve perda de qualidade do material devido a falhas no armazenamento e transporte. A caixa externa também deve ser avaliada quanto a identificação, deve conter etiquetas especificando claramente que a caixa contém material biológico humano e que não deve ser submetido à radiação (raio X).

 

  • Recebimento: cabe a cada CRHA estabelecer critérios rígidos de aceitação e rejeição de amostras biológicas recebidas, esses critérios devem ser descritos em um POP e ser de conhecimento de todos. Ao receber uma amostra, o CRHA deve proceder à verificação e o registro das amostras recebidas, incluindo suas condições de transporte, embalagem, rotulagem, documentação, as quais devem atender aos requisitos definidos pelo CRHA, caso uma amostra seja rejeitada, cabe ao centro informar ao médico responsável pelo tratamento e aos pacientes envolvidos informando o motivo da rejeição do material, o centro também pode optar por deixar o material em quarentena enquanto aguardo o recebimento de informações / documentação  pertinentes ao recebimento do material.

 

O transporte de material biológico pode ser feito pelo próprio centro / banco ou por uma transportadora, nesse caso quando ocorre a terceirização do processo além das questões acimas temos que exigir também:

 

  • Contrato: deve haver entre o centro e a transportadora um contrato onde esteja definido todas as obrigações da empresa, principalmente as questões referentes a furto ou roubo, acidentes de qualquer natureza e quais os seguros que serão aplicados nesses casos. Apesar de ser de conhecimento de todos que não há valor aplicado nesse tipo de material, mas cabe ao centro se atentar que essas condições podem acontecer e, tanto os CRHA quanto os pacientes devem estar resguardados.

No caso de contratação de bancos de doadores ou doadores é de suma importância que todo o trâmite de compra e transporte seja assegurado por contrato específico para proteger o centro e o paciente caso ocorra algum evento adverso que impeça que o material chegue ao seu destino final.

 

  • Transportadora: a transportadora contratada deve apresentar: licença sanitária, responsável técnico pela operação, validação de transporte comprovada e quando for o caso deve também ter a comprovação da validação dos tanques de nitrogênio utilizados para transporte.

 

  • Carro: o veículo utilizado para o transporte deve ser vistoriado pela vigilância sanitária e ser aprovado para realizar tal procedimento, a documentação referente ao veículo pode variar conforme cada estado.

 

  • Motorista: o condutor do carro deve ser habilitado para dirigir esse tipo de veículo. Deve ter CNH específica e ter realizado e sido aprovado pelo DETRAN no curso para transporte de amostra biológica (MOPP).

 

Todas as questões descritas acima devem ser analisadas e colocadas em prática pelos CRHAs, ressaltando que pela nova RDC da ANVISA os centros são corresponsáveis por esse transporte cabendo a eles a validação dos processos e a aceitação ou exclusão da transportadora ou do banco de gametas lembrando que todos essas procedimentos devem ser tomados para que a segurança dos nossos pacientes esteja sempre acima de tudo.

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