Impactos da manipulação na qualidade seminal
10 abr, 2023
Por Ana Clara Esteves
Como bem colocado no Manual da Organização Mundial de Saúde (OMS), a análise seminal é excepcionalmente complicada e processualmente difícil de padronizar, o que pode resultar em discrepâncias nas contagens espermáticas de concentração, motilidade e morfologia em diferentes laboratórios – e me atrevo aqui a dizer que até mesmo entre observadores de um mesmo laboratório.
Avaliações distintas de uma amostra, por exemplo, podem causar erros aleatórios, que podem ser percebidos e corrigidos com mais de uma leitura da mesma amostra, ou leitura de profissionais diferentes. Já erros sistemáticos são causados quando há algum viés – equipamento mal calibrado, por exemplo – e são mais difíceis de detectar, por não causarem variações obrigatórias entre análises de uma mesma amostra.
Erros podem ser cometidos em diferentes etapas da análise seminal, gerando inconsistência na avaliação da concentração, morfologia, motilidade e vitalidade espermáticas. Algumas possíveis fontes de erros analíticos são:
- Mixagem e homogeneização incompletas ou inadequadas da amostra
- Erros de diluição (quando esta é necessária), por exemplo assumindo que 1:20 significa adicionar 20 partes de diluente, quando na verdade significa 19.
- Equipamentos mal calibrados – por exemplo, uma pipeta que entrega 95µL apesar de estar ajustada para 100µL
- Uso de equipamentos inadequados – por exemplo, pipetas plásticas para medir volume, no lugar de pipetas volumétricas
- Câmara de contagem montada ou carregada de forma incorreta
- Excesso de tempo entre homogeneização da amostra e retirada da alíquota para análise (uma vez que os espermatozoides começam a assentar imediatamente e perder o vigor)
- Não esperar o tempo suficiente para início da análise após carregar a câmara de contagem, impedindo a devida sedimentação da amostra
- Identificação incorreta de espermatozoides (contando debris como espermatozoides ou falhando em identificar espermatozoides de difícil identificação)
- Avaliar colunas de mais ou de menos na grade de contagem, parar no meio de uma fileira, ou contar espermatozoides posicionados nas bordas laterais, superior ou inferior, durante análise de concentração
- Distribuição desigual da amostra em câmaras de capilaridade, durante carregamento
- Esfregaço muito fino ou muito grosso e coloração inadequada da lâmina, deixando-a muito escura, muito clara ou com muita coloração de fundo
- Analisar espermatozoides na borda da câmara de contagem (esses espermatozoides tendem a ficar mais lentos ou morrer)
- Seleção não aleatória de campos para análise, ou atraso proposital na análise (esperar espermatozoides móveis entrarem no campo de observação para iniciar a contagem)
- Uso de corantes impróprios, que podem ser tóxicos aos espermatozoides
- Esperar muito tempo para preparar a coloração vitalidade
- Superestimar o número de espermatozoides mortos, contando como mortos aqueles com cabeça levemente corada como rosa claro, ou ainda aqueles com a coloração rosa restrita à peça intermediária (e não na cabeça)
Além disso, é válido lembrar que:
- A análise seminal deve ocorrer preferencialmente 30 a 60 minutos após a coleta, uma vez que o tempo prolongado de exposição in vitro do sêmen liquefeito (plasma seminal) pode alterar características como motilidade e morfologia
- Expor a amostra a uma temperatura de 37ºC pode ajudar a liquefação a acontecer mais rápido, mas é importante ressaltar que altas temperaturas podem ser prejudiciais aos espermatozoides (diminuindo vitalidade e aumentando risco de fragmentação de DNA espermático) e, por isso, a placa aquecedora ou incubadora deve estar bem calibrada e ajustada
- A homogeneização da amostra é importante e necessária, mas não deve ser vigorosa a ponto de criar bolhas
- A centrifugação de uma amostra seminal pode causar dano peroxidativo na membrana espermática
- Se pipetas e câmaras de contagem forem alteradas e usadas sem validação, pode haver discrepância nos resultados
Alguns erros relacionados ao operador também podem ocorrer durante a análise seminal, como:
- Desatenção – o operador pode cometer erro ao anotar ou mesmo aliquotar a amostra
- Técnica deficiente – erros de pipetagem ou preparação de lâminas e câmaras
- Treinamento inadequado – avaliação incorreta de concentração, motilidade e vitalidade espermáticas, dificuldade na identificação e classificação da morfologia espermática
Para minimizar erros, algumas atitudes devem ser tomadas. Todo laboratório deve contar um manual de procedimentos operacionais padrões (POPs) como parte de um treinamento interno e também que sirva de referência e orientação para a equipe, não só em procedimentos rotineiros, mas também para aqueles procedimentos que não são realizados com tanta frequência, e para identificação e resolução de processos que não estejam produzindo resultados aceitáveis.
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