O TRABALHO DO EMBRIOLOGISTA E A OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA
20 ago, 2020
O TRABALHO DO EMBRIOLOGISTA E A OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA
Josimar Grassi Pereira
“Art 8º Dá-se o direito ao princípio da autonomia do Embriologista de agir, segundo os ditames de sua consciência salvo em condições de risco a vida e saúde dos pacientes ou em casos de urgência.” (PRONÚCLEO, 2018)
Objeção de Consciência
A objeção de consciência é um direito fundamental em muitos países e costuma estar presente em diversos códigos profissionais. Garante ao indivíduo o direito de opor-se a condutas não previstas em normativas legais que entrem em conflito direto com as suas convicções pessoais sejam elas morais, éticas, religiosas ou culturais. Surgiu no âmbito militar, onde os objetores se negavam em parte ou totalmente a contribuir com os esforços de guerra, e de lá se espalhou para diversas áreas em especial no âmbito da saúde, na atuação de médicos, enfermeiros e farmacêuticos. Previsto no artigo 5ª da Constituição federal nos incisos – II “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa que não seja obrigatória por lei” e VIII “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”. É um importante instrumento de liberdade pessoal que deve ser utilizado com sobriedade e respeito. O objetivo deste artigo não é oferecer respostas prontas para determinadas condutas, mas sim um convite para a reflexão, afinal cada pessoa tem sua própria consciência e bússola moral.
A Objeção de Consciência no Cotidiano do Embriologista
O Embriologista se depara diariamente com diversas questões onde seus princípios éticos são postos a prova, situações como descarte de embriões, doação de gametas, e biópsia embrionária, não raras as vezes, levantam questionamentos se devem ou não serem realizados.
O descarte de embriões em especial pode ser uma conduta muito angustiante para o profissional embriologista. Afinal quando começa a vida? O embrião tem direitos ou não? O que fazer com os embriões abandonados? Quais embriões eu devo descartar e quais eu devo vitrificar? De acordo com a Lei de Biossegurança (11105/2005) e pela resolução do CFM 2168/2017 os embriões viáveis devem ser criopreservados e seu descarte é aceitável somente três anos após a data do congelamento. Embora o descarte de embriões seja uma conduta prevista por estes mecanismos jurídicos alguns embriologistas se negam a realizar este procedimento baseando-se em questões de fundo filosófico ou religioso. Se o descarte de embriões for uma conduta inaceitável para o embriologista este não pode ser obrigado a fazê-lo e essa decisão tem quer comunicada com antecedência tanto para equipe médica quanto para os pacientes que não desejam criopreservar embriões excedentes.
Deve ser reforçado para os pacientes a existência de obrigatoriedade prevista em lei de se criopreservar embriões viáveis além de aconselhá-los das vantagens econômicas e terapêuticas advindas da transferência de embriões desvitrificados. Ademais é vetado ao Embriologista realizar a procriação medicamente assistida que fira a lei de biossegurança (PRONÚCLEO, 2018)
Em muitas situações o descarte de embriões é também, uma conduta intolerável para os casais em tratamento. Nos casos em que tanto o descarte quanto a vitrificação de embriões não são aceitos a equipe médica pode optar dentre outas coisas por uma estimulação ovariana mais leve com o objetivo de se obterem menos óvulos; doação dos gametas e embriões excedentes; ou em último caso fertilizar um número reduzido do oócitos. Por fim se nenhuma destas alternativas forem viáveis, os pacientes que desejam fazer o tratamento devem ser indicados para outros profissionais que atendam às suas necessidades.
Decidir vitrificar embriões de boa qualidade é uma opção relativamente fácil, mas quando o embrião apresenta uma evolução com fortes indícios de não ser competente para produzir uma gestação a termo, o desejo médico ou dos pacientes entra em conflito com a consciência do embriologista. Enquanto muitos profissionais consideram válido criopreservar qualquer embrião que apresente evolução, outros optam por vitrificar somente embriões de boa qualidade. É importante nesses casos avaliar não somente o aspecto dos embriões, mas o histórico dos pacientes. É prudente expor os pacientes a custos financeiros extras advindos da criopreservação e posterior transferência de embriões com baixíssima qualidade? É valido descartar um embrião morfologicamente ruim mesmo sabendo que em casos raros esses embriões podem resultar no nascimento de uma criança saudável?
Seja qual for a decisão do embriologista ele ou ela conforme explicitado no Art 2º do Código de Ética da Associação Brasileira de Embriologistas (2018) deve:
“Sempre agir no melhor interesse dos pacientes, e dos gametas e embriões que estejam sob a responsabilidade do embriologista. Garantir sempre que nenhuma ação ou omissão de sua parte, ou no âmbito de sua responsabilidade, terá detrimento aos interesses, condições ou segurança dos pacientes, dos gametas e embriões sob sua guarda”
Com a popularização da internet e crescimento das redes sociais muitas pacientes já chegam no consultório com a opinião formada por “médicos e embriologistas influenciadores” de que só obterão uma gestação se realizarem o teste e o tratamento da moda. Esse comportamento pode ser observado no aumento excessivo da demanda por parte das pacientes para a realização de testes genéticos sem a necessidade deles. Essa situação representa um desafio tanto para a equipe médica quanto para os embriologistas. Afinal é ético realizar um teste, muitas vezes com elevado custo financeiro para as pacientes, sem necessidade? Se existe um compromisso ético de se agir no melhor interesse das pacientes, é imprescindível que tanto a equipe médica quanto os embriologistas aconselhem esses pacientes de que determinada abordagem não é apropriada para o seu caso, e conscientemente, opor-se a realização de condutas desnecessárias.
Nos últimos anos tem aumentado a procura por tratamentos de Reprodução Assistida de pacientes “fora” dos padrões familiares tradicionais alguns embriologistas podem sentir-se contrariados realizando tratamentos para pais ou mães solo, casais homoafetivos ou pacientes acima dos 50 anos de idade. Vale lembrar que o tratamento para pacientes destes “novos” rearranjos familiares está previsto tanto na resolução do CFM 2168/2017 quanto na Lei nº 9263/1996 que especifica que o planejamento familiar é direito de todo o cidadão sendo que assistência a concepção está inserida em um contexto de atendimento global e integral a saúde. Embora a resolução do CFM preveja o direito a objeção de consciência nesses casos, é importante que esta prerrogativa jamais seja utilizada como escudo para condutas preconceituosas e discriminatórias.
A Objeção de Consciência do Embriologista nas Relações de Trabalho.
O campo de trabalho do embriologista tem crescido muito nos últimos anos. Antes restritos as capitais e grandes cidades tem havido um aumento e interiorização de centros de reprodução assistida por todo o país, se por um lado o aumento da oferta de trabalho é bom para os embriologistas por outro a falta de profissionais bem treinados é um fator preocupante. Não são raras as ofertas de empregos para embriologistas juniores onde se exigem habilidades e experiência de embriologistas seniores. Bem como não são incomuns os relatos de embriologistas que são pressionados a realizarem procedimentos os quais não dominam totalmente. Vale lembrar aqui que o embriologista deve exercer a sua atividade profissional com zelo, somente assumindo responsabilidades pelas quais esteja capacitado não devendo assumir tarefas para as quais ele não tenha sido devidamente treinado sob supervisão de um embriologista qualificado e experiente (PRONÚCLEO, 2018)
Considerações Finais
Como guardião dos embriões sob sua responsabilidade não basta ao embriologista se opor a determinadas condutas ele deve fornecer alternativas viáveis para os pacientes afetados pela sua decisão jamais causando danos por omissão, imperícia, imprudência ou negligência.
São direitos do embriologista agir segundo os ditames da sua consciência sempre respeitando os pacientes e os embriões sob sua proteção, exercer a sua atividade profissional sem sofrer qualquer tipo de restrição discriminação ou coerção. É um dever do embriologista informar ao PRONÚCLEO e órgãos competentes qualquer situação onde o seu direito de objeção de consciência seja ameaçado.
Por fim a objeção de consciência é um instrumento poderoso de liberdade individual que deve sempre ser usado com muita prudência e sabedoria.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos . Lei nº 9.263 de 12 de janeiro de 1996. Brasilia, 15 jan 1996. Seção 1, p.1-3
BRASIL. Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do parágrafo 1º do art. 225 da Constituição Federal e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 28 mar. 2005
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 2168/2017. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2017/2168
WOLFF, PHILIP; ROCHA, CLAUDIA; ALVARENGA, RAQUEL; ZUCULO, JAQUELINE, GUIMARÃES, FERNANDO; PINHEIRO, JOÃO; GRASSI, JOSIMAR; GOMES, LUIZ; AZAMBUJA, RICARDO. (2018). Code of Ethics and Conduct of the Brazilian Association of Embryologists – PRONÚCLEO. JBRA assisted reproduction. 23. DOI: 10.5935/1518-0557.2018006
Conheça o autor:
Josimar Grassi Pereira
Mestrando em Ciências da Saúde pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), Especialista em Reprodução Assistida pelo Instituto Sapientiae, Bacharel em Biologia pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), Embriologista Sênior na Clínica Gaia Centro de Reprodução Assistida Membro do comitê de Ética do PRONÚCLEO.
-
Compartilhe