Potencial reprodutivo do embrião mosaico

30 out, 2023

Ana Clara Esteves

 

O tratamento de reprodução assistida não é um caminho único, simples, fácil e uniforme. Ele apresenta muitas variações, dúvidas, obstáculos e, com sorte, um final feliz. Poderia se dizer que não é uma receita de bolo – mas dada a imensa variedade de bolos existentes hoje, talvez seja.

 

A principal causa de falha de implantação embrionária, perda gestacional e doenças congênitas em nascidos vivos são aneuploidias embrionárias (1). Apesar da maioria dos erros de segregação cromossômica ocorrer na divisão meiótica, é comum observarmos aneuploidias originadas em divisões mitóticas. A diferença entre eles é que, enquanto as de origem meiótica acometem o embrião como um todo, as de origem mitótica dão origem a linhagens celulares com diferentes conteúdos (euploides e aneuploides) – o que chamamos de mosaicismo.

 

Embriões mosaicos representam uma das maiores dúvidas em um tratamento de reprodução assistida. Para muitos casais que submetem seus embriões à análise genética, os mosaicos podem ser a única opção de uma gestação – pelo menos naquele ciclo. E o que fazer? Transferir ou não transferir? Acreditar que aquele pedacinho biopsiado é representativo do embrião inteiro ou não? Torcer para que as células afetadas não se manifestem fenotipicamente, ou não arriscar? Tentar um outro ciclo de tratamento? E talvez, a dúvida que mais represente um dilema moral: descartar esses embriões mosaicos?

 

Antes de discutirmos essas questões, vale lembrar que mosaicismo pode ser apresentado em diferentes graus. Embriões que apresentem menos de 20% de mosaicismo são caracterizados como euploides, e aqueles que apresentam mais de 70-80% são interpretados como aneuploides (a variar de acordo com o critério do laboratório de análise genética). Entre 20 e 70-80%, os embriões podem ser classificados como mosaicos de baixo e alto grau (20-40% e 41-80%, respectivamente), ou baixo, médio e alto grau (20-30%, 30-50%, 50-70%) (1,6).

 

Um estudo recente analisou embriões inteiros que foram doados para pesquisa e mostrou que, usando a biópsia de trofectoderma (TE) como referência, alterações na Massa Celular Interna (MCI) eram extremamente raras e era indiferente se fossem provenientes de embriões classificados como euploides, mosaico de baixo ou de médico grau na biópsia de referência. Foi evidenciado que nesses casos as células afetadas estavam limitadas a uma única porção do TE e raramente afetavam a MCI (1). Em contraste, mosaicismos de alto grau (50-70%) eram comumente associados com aneuploidias uniformemente distribuídas no embrião, incluindo a MCI (65% dos casos).

 

A maioria dos casos de mosaicismos detectados em biópsias de TE se deve a algumas células aneuploides originadas naquele próprio tecido, e que resultam em uma leitura de mosaico de baixo ou médio grau (1). O mesmo estudo mostra também que embriões supostamente mosaicos apresentam resultados clínicos similares a embriões uniformemente euploides, e que não há implicações em resultados de gestação e nascidos vivos, nem na saúde da prole, uma vez que a detecção de mosaicismo em baixo e médio grau em uma biópsia de TE reflete, na grande maioria dos casos, uma aneuploidia isolada, e não distribuída por todo o embrião (1).

 

Já por um ponto de vista mais prático, há quem defenda que mascarar o grau de mosaicismo pode aumentar o número de embriões disponíveis para transferência. Embriões 40% ou menos de mosaicismo seriam considerados euploides, enquanto aqueles com mais de 40% seriam considerados aneuploides – com exceção dos que apresentassem alterações nos cromossomos 3, 14, 15, 18, 21, X, e Y, que seriam considerados aneuploides independente do grau de mosaicismo, uma vez que esses embriões não seriam considerados para transferência mesmo se fossem mosaicos de baixo grau (6).

 

É imprescindível o aconselhamento genético para casais que tenham embriões mosaicos como única opção de gestação, para que entendam os riscos e o significado de cada alteração apresentada no mosaicismo. A Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM) orienta que, embora embriões mosaicos possam ser considerados para transferência, nem todos os mosaicismos devem ser encarados da mesmo forma. Presença de certos graus de mosaico, autossomos relacionados a aneuploidias viáveis (compatíveis com a vida), risco de insuficiência placentária ou restrição de crescimento fetal, e dissomias uniparentais devem ter sua prioridade reduzida, ou até mesmo não serem considerados para transferência (7).

 

São cada vez mais significativas as evidências de que embriões mosaicos podem dar origem a bebês saudáveis, o que sugere que células aneuploides em embriões mosaicos não contribuem para a composição genética de nascidos vivos (2-5). Isso não torna exatamente fácil a decisão de transferir um embrião mosaico, mas podemos dizer que é uma opção – a ser ponderada, discutida, informada, considerada para que possa ser, eventualmente, uma decisão, seja ela tomada ou não.

 

  1. Capalbo A, Poli M, Rienzi L, Girardi L, Patassini C, Fabiani M, Cimadomo D, Benini F, Farcomeni A, Cuzzi J, Rubio C, Albani E, Sacchi L, Vaiarelli A, Figliuzzi M, Findikli N, Coban O, Boynukalin FK, Vogel I, Hoffmann E, Livi C, Levi-Setti PE, Ubaldi FM, Simón C. Mosaic human preimplantation embryos and their developmental potential in a prospective, non-selection clinical trial. Am J Hum Genet. 2021 Dec 2;108(12):2238-2247. doi: 10.1016/j.ajhg.2021.11.002. Epub 2021 Nov 18. PMID: 34798051; PMCID: PMC8715143.

 

  1. Zamani Esteki M, Viltrop T, Tšuiko O, Tiirats A, Koel M, Nõukas M, Žilina O, Teearu K, Marjonen H, Kahila H, Meekels J, Söderström-Anttila V, Suikkari AM, Tiitinen A, Mägi R, Kõks S, Kaminen-Ahola N, Kurg A, Voet T, Vermeesch JR, Salumets A. In vitro fertilization does not increase the incidence of de novo copy number alterations in fetal and placental lineages. Nat Med. 2019 Nov;25(11):1699-1705. doi: 10.1038/s41591-019-0620-2. Epub 2019 Nov 4. PMID: 31686035. 

 

  1. Huang A, Adusumalli J, Patel S, Liem J, Williams J 3rd, Pisarska MD. Prevalence of chromosomal mosaicism in pregnancies from couples with infertility. Fertil Steril. 2009 Jun;91(6):2355-60. doi: 10.1016/j.fertnstert.2008.03.044. Epub 2008 Jun 12. PMID: 18554589.

 

  1. Kalousek DK, Dill FJ. Chromosomal mosaicism confined to the placenta in human conceptions. Science. 1983 Aug 12;221(4611):665-7. doi: 10.1126/science.6867735. PMID: 6867735.

 

  1. Greco E, Minasi MG, Fiorentino F. Healthy Babies after Intrauterine Transfer of Mosaic Aneuploid Blastocysts. N Engl J Med. 2015 Nov 19;373(21):2089-90. doi: 10.1056/NEJMc1500421. PMID: 26581010.

 

  1. Armstrong A, Miller J, Quinn M, Nguyen AV, Kwan L, Kroener L. To mask or not to mask mosaicism? The impact of reporting embryo mosaicism on reproductive potential. J Assist Reprod Genet. 2022 Sep;39(9):2035-2042. doi: 10.1007/s10815-022-02576-z. Epub 2022 Jul 20. PMID: 35857256; PMCID: PMC9474961.

 

  1. Practice Committee and Genetic Counseling Professional Group (GCPG) of the American Society for Reproductive Medicine. Electronic address: asrm@asrm.org. Clinical management of mosaic results from preimplantation genetic testing for aneuploidy (PGT-A) of blastocysts: a committee opinion. Fertil Steril. 2020 Aug;114(2):246-254. doi: 10.1016/j.fertnstert.2020.05.014. PMID: 32741460.
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