Entrevista Beto Alegretti

18 ago, 2021

Entrevista realizada por Darlete, texto introdutório e transcrição da entrevista por Ana Clara.

Um dos gestos mais admiráveis que podemos presenciar é quando alguém estende a mão a um companheiro de trabalho, principalmente quando não mede esforços para ajudar na sua formação e crescimento. Por muitos, foi isso que José Roberto Alegretti – o Beto – fez.

Além disso, são muitos anos dedicados a essa linda profissão que ajuda famílias a se tornarem mais completas e felizes: a embriologia. É fato que muitos nem sabem que a nossa profissão existe, ou que somos nós trabalhando ali nos bastidores, mas gigantes como o Beto se fazem presentes, sempre. Batemos um papo com essa grande figura da embriologia:

 

Quem é o Beto? Conta pra gente um pouquinho da sua história, como foi sua trajetória até aqui? Como surgiu a embriologia na sua vida?

Ixi… Bom, eu sou Biólogo de formação, me formei em 1992 em São Paulo, já trabalhei com insetos, comecei mestrado com peixes… eu sempre estudei peixes né, peixe de represa… Depois fui fazer pós-graduação na UNESP de Botucatu, trabalhando com alimentação de peixe, e sempre dando aula, sempre fui professor também, sempre querendo essa linha, trabalhar como biólogo, né? Sempre gostei da Biologia. E aí, tenta aqui, tenta lá.. sou guia de caverna, trabalhei com excursão de alunos, tentei trabalhar com macacos… bom, tentei trabalhar com um pouco de tudo (risos). Aí um dia surgiu uma oportunidade para trabalhar num laboratório de Reprodução Humana, que era uma área que eu não conhecia nada, não tinha nenhum conhecimento. Conheci o Eduardo Motta, da Huntington, e ele me convidou, falou: “Olha, tô começando, quero alguém que não saiba nada…”, e eu falei: “Bom, menos que eu você não vai achar (risos), não sei nada mesmo”. Ele falou: “Não, eu quero treinar você do nosso jeito, você vai pros EUA na matriz da Huntington lá em Los Angeles, e vamos lá!”. E foi.

Larguei tudo que eu fazia, larguei a escola, os outros projetos, e entrei de cabeça na Reprodução Humana. Fui pros EUA, treinei, tive o prazer de ter bons professores, visitei muitas clínicas – acho que isso foi muito legal. A Huntington – o Eduardo, o Paulo – estimularam, falavam “Vai pra cá…”; fui pra Espanha, fui pra Itália, pros EUA… todo mundo que conhecia, a gente ia: “Posso ir aí?” E ia com a cara e a coragem, né? Não queria nem saber (risos).

E foi muito de desbravar, naquela época, no Brasil, todo mundo que fazia era segredo, ninguém falava nada… e eu não, sempre fui um cara tranquilo, o que me perguntavam eu falava, como até hoje eu sou: quer ir no laboratório? Vai! Quer dizer, não tem muito segredo, né? E acho que dei sorte na carreira, nessa fase, de também conhecer pessoas assim. Então, tive o prazer de aprender biópsia com o primeiro cara que fez biópsia nos EUA, o cultivo com a primeira pessoa que fez… Quer dizer, encontrei pessoas que também pensavam assim, que eram muito abertas, muito tranquilas, são grandes amigos hoje e acho que fica essa felicidade. E fui aprendendo…

 

E são quantos anos nesse jornada?

Essa ano completam 26 anos de embriologia. Na Huntington eu estou desde o começo, junto com o Eduardo. O Paulo já não está mais conosco, mas também estava desde o começo. E hoje a Huntington já cresceu, nós saímos de uma clínica pequenininha e hoje nós somos uma clínica grande, com vários unidades. Hoje eu faço um trabalho mais de gerenciamento, não mexo mais com laboratório.

 

Tem algum momento que te marcou, seja por emoção, dificuldade ou alegria?

Tem tantos que a gente nem sabe… Mas acho que tem alguns momentos importantes, né… Quando eu tive meu primeiro sucesso de gestação, a paciente depois descobriu – nós contamos pra ela, – que a criança dela foi minha primeira “filha”, e por coincidência ela morava perto da minha casa. Nunca mais a encontrei, mas ela me mandava foto da criança todo ano… tenho foto da criança ano a ano até ela fazer 18 anos. Ela mandava foto da menina com uma declaração muito bonita atrás e até hoje isso é bastante comovente.

Tiveram momentos, logicamente, de dificuldades, que todo mundo tem né, de mudanças de equipe, implementação de tecnologias, resultados ruins… isso faz parte da história do embriologista, né? Mas como eu falei, estou cercado por pessoas serenas, então a gente sempre conversou muito, discutiu muito, buscou junto uma saída, e isso é muito bom né? Eu sempre falo isso, as pessoas com quem eu tive o prazer de trabalhar durante todos esses anos e trabalho ainda hoje, todo mundo costuma pensar muito parecido, e isso é legal, ajuda.

Na carreira profissional, de ir visitar clínicas importantes, de receber prêmio brasileiro e sul-americano de 1º lugar em trabalho científico, me lembro que fui na Argentina receber o primeiro lugar, no Brasil… Assim, são coisas que marcam, né? Mas eu acho que o que mais me marca, o que me deixa mais feliz – costumo falar isso: eu não tenho inimigos na Reprodução. Eu olho hoje pra trás e olho vários laboratórios do Brasil e vejo gente que trabalhou comigo. E nós somos amigos, a gente se conhece, se fala, tenho liberdade de perguntar e vice-versa. Existe isso, como se fosse uma grande família, e isso é muito gratificante.

Você cria laços com a equipe… Por exemplo, as minhas primeiras estagiárias foram a Adriana Fracasso, que trabalho hoje no Recife e a Taciana, que trabalhou em clínicas mas não trabalha mais. Eu sou amigo delas até hoje! A gente tem uma relação muito legal. E muitas outras pessoas que trabalharam comigo… Então isso é muito gratificante. E sem dúvida nenhuma, parece meio clichê do embriologista falar “a felicidade que a gente tem de ver as famílias se formar, de ver o resultado…” mas eu realmente fico muito feliz em olhar pra trás e ver quantas famílias nós ajudamos, quantas famílias foram criadas fruto do trabalho, da tecnologia e da dedicação. A vida do embriologista é muito dura, e ver esses resultados – receber fotos, receber visitas depois de 10, 15 anos, visitas que você não espera, de pessoas que têm uma gratidão pelo seu trabalho… Inúmeras vezes eu estou num shopping ou restaurante e vem alguém apresentando o filho, querendo tirar foto.. isso não tem preço.

E logicamente, no lado pessoal, tem o lado família que é muito marcante. Minha esposa é bióloga, se formou comigo, mas ela é da área de educação. Tenho dois filhos: minha filha tem 22 anos e é arquiteta, e meu filho tem 13 e joga videogame (risos). Ter o suporte familiar e ter uma esposa bióloga ajudou muito a entender tudo isso e acho que a família é a base de tudo. Foi um suporte paragem dar a chance de poder trabalhar nessa loucura que é a embriologia. Sem a família, com certeza eu não conseguiria.

 

O que você faria diferente? Mudaria alguma coisa se pudesse voltar no tempo?

Ah… eu sempre falo que é muito mais fácil olhar pra trás do que olhar pra frente. É muito mais fácil olhar pra trás e achar os problemas, do que olhar pra frente e encontrar soluções. Então assim, eu sempre achei que eu fiz o melhor que eu pude naquele momento, com o meu conhecimento, ou com o que eu tinha disponível ou com a situação que se apresentava. Não acho que eu cometi erros que eu voltaria (para corrigir). Com a cabeça de hoje, se eu voltasse atrás – assim como você e todos os outros profissionais que você perguntar – eu falaria: “Não, peraí, eu faria diferente”. Mas é fácil, com a cabeça de hoje, olhar pra trás e mudar, mas eu acho que naqueles momentos eu sempre tentei dar o melhor. E as mudanças (que faria) seriam mudanças de conhecimento, tecnológicas, que naquela época também não tinha, então assim, é difícil responder isso. Bom, talvez se eu olhasse pra trás e tivesse que mudar, eu teria ficado um pouco mais com a minha família (risos).

Foram realmente inúmeros congresso, muito tempo me ausentando, saindo de manhã e voltando à noite… perdendo vários eventos familiares. Mas era daquele momento, quer dizer, pode ser que se eu voltasse e mudasse eu não estivesse aqui… não dá pra fazer esse raciocínio. É difícil.

 

Fala um pouquinho da sua relação com a Pronúcleo, bem daquela época de quando você foi presidente.

A Pronúcleo, quando eu comecei, eu era meio “desconhecido”, vindo de uma clínica americana, que gerava um certa desconfiança nas clínicas daqui… existia um grupo que era muito amigo, que se conhecia, e a gente não conhecia ninguém, né? Eu e Eduardo, a gente não conhecia ninguém (risos), tivemos que galgar esse conhecimento. Mas assim, eu sempre me interessei muito por isso, e eu não sei qual momento, realmente não me recordo, mas me convidaram para fazer parte. E eu sempre aceito, qualquer coisa! Precisando da minha ajuda, eu ajudo: “conta comigo!”. E eu fui lá, fui participando, e eu sempre gosto de defender meus argumentos – eu não tenho nenhum problema em mudar a minha opinião se vejo que estou errado, mas se eu tenho meus argumentos, eu vou defendê-los, argumentando cientificamente, eu sempre tive essa postura. E também sempre uma postura de querer desafiar as coisas: “Por que que a gente não muda? Por que não podemos fazer isso ou aquilo?”.

Aí, uma certa hora, se não me engano a Cláudia Petersen me convidou: “Beto, você não quer assumir?” E eu falei que não tinha tempo, mas ela incentivou e eu aceitei: “Mas você me ajuda né?” E todo mundo me ajudou. A Cláudia me ajudou muito, Fran, Ricardo Azambuja, Irineu, todo mundo me ajudou. Mas, sendo presidente, falei: “Vamos tomar algumas posturas, vamos dar uma mudada”. Fui atrás do registro da Sociedade, do site que não tinha, sugeri criar os delegados regionais, consegui voltar o congresso pra SBRH – que a gente não estava mais… Não estou dizendo que fiz milagre, mas corremos atrás e dei uma renovada. Aí o Ricardo, que antes era meu vice, assumiu.

Eu sempre defendi que a Pronúcleo deveria ser independente, sempre agradeci à SBRA, SBRH, mas sempre defendi que deveríamos ter nosso congresso, nossa Sociedade, que a gente tem que ser independente, que o embriologista tem que ser independente, ter sua postura, defender seus direitos, não ser submisso. Sempre falei isso. Acho que imputei isso em algumas pessoas e vejo isso na geração mais nova, isso é muito legal. E, num determinado momento, vendo essa geração mais nova, eu falei que não queria mais fazer parte, porque eu acho que a gente tem que abrir as portas para os mais novos: “Os mais novos têm mais sangue no olho, têm ideias boas, não é justo a gente ficar aqui.” E recomendei o mesmo aos que eram mais próximos a mim. Acho que é uma etapa, uma transição natural, e me sinto muito confortável com isso.

Hoje, olhando para trás, acho que fiz o certo, não me arrependo. Apesar de não estar mais na Sociedade, ainda participo. Acho que a geração nova que entrou, o René, o Mauro, o Bernardo, você, Bruna e tantas outras pessoas, têm uma nova cabeça. Por exemplo, recebi aqui a minha homenagem e não consigo colocar no Instagram, não sei mexer nisso! (risos) Então assim, é outra geração. Acho que a gente tem que se respeitar. Procurei sair da embriologia pra que as minhas coordenadores de unidade pudessem subir. Respeito minha idade e respeito o momento de sair, acho que isso é saudável.

 

Como foi receber a homenagem da Pronúcleo durante nosso Encontro?

Olha, falei pro Mauro e pro Bernardo… eu sou uma pessoa muito simples, eu realmente não acho necessário, realmente não fiz nada a mais que ninguém aqui no Brasil fez, tem inúmeras outras pessoas que também fizeram, têm muito mais história: Cláudia, Raquel, Paulinha… Eu sou de uma geração que sei lá, trabalhei… Fiquei muito muito feliz. Falo de coração, não esperava e não acho que mereço, mas fiquei muito contente. A gente sempre fica muito feliz com homenagem, né? É uma honra. Eu vou aprender a colocar no Instagram! Muito feliz. É muito gratificante… e receber o reconhecimento dos mais jovens, como o Mauro, por exemplo, que é uma pessoa que vi crescer, tive mais contato, eu vi que hoje ele se tornou um embriologista muito melhor do que eu sou. E o Bernardo também sei que é, o René… têm muito mais técnica e conhecimento científico. É muito gratificante ver que fui uma pequena parcela disso. E receber esse reconhecimento é muito legal, mesmo.

 

Se você fosse dar um conselho para a nova geração, qual seria?

Vou te dar um conselho que foi da minha história de vida… A gente tem que acreditar naquilo que a gente acha que é o certo a ser feito. Eu to na Reprodução acreditando que eu vou fazer o melhor, eu vou me dedicar e eu vou conseguir. Porque é um gosto meu trabalhar com Biologia. De novo, por mais repetitivo ou clichê que pareça falar que quando a gente gosta do que faz, a gente nunca mais trabalha… não é verdade que a gente não trabalha, a gente trabalha muito, mas não parece que hoje eu estou no 26º ano, não parece… pra mim, tem menos tempo. Porque eu gosto do que eu faço, então quando a gente gosta, a gente geralmente acerta. A gente cai, levanta, cai, levanta, mas a gente vai tentar fazer o melhor.

Na minha época, era muito mais fácil ser embriologista do que hoje. Se hoje eu fosse entrar no mercado de trabalho com a pouquinha experiência que eu tinha, eu não ia conseguir, eu não tinha experiência nenhuma. Hoje as pessoas já têm pós-graduação, acesso à internet, curso online, coisas que na minha época não tinha. Então, pode ser que hoje eu não conseguisse. Mas é o momento. Eu me agarrei com unhas e dentes àquilo e falei: “Eu vou conseguir, vou lutar e vamos lá!”. Porque era uma coisa que eu gostava. Então, acho que o conselho é: tem que fazer aquilo que gosta! Tem que acreditar no seu potencial, fazer aquilo que você gosta. A sorte é uma parcela do sucesso. Às vezes a sorte é um telefonema, uma conversa, uma oportunidade. Mas 90% é suor, trabalho e dedicação! Só com sorte não dá certo. Então tem que gostar, tem que estudar, tem que trabalhar duro, ser honesto, transparente, e tem que jogar limpo. Sempre joguei limpo e tentei ser honesto e transparente com as pessoas… eu sou desse jeito e vou morrer assim: uma pessoa de hábitos simples.

Esse é o Beto! O II Encontro Anual de Embriologistas Pronúcleo nos proporcionou a oportunidade de um gesto simbólico em reconhecimento ao grande profissional, mentor, professor e amigo que você é, e aqui estamos novamente reforçando essa mensagem de gratidão. Muito obrigada por sua inestimável contribuição para a nossa área e por nos inspirar a cada dia com sua história e experiência!

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